“JESUS... NEM SEMPRE FOI
DEUS”
- Intrigas e brigas ‘Cristológicas’ na
Igreja do Século IV –
Por: Paulo
Portela
Em
Alexandria, no ano de 361, três homens importantes são presos. Dois deles altos
oficiais do governo e o terceiro era Jorge, da Capadócia; bispo de Alexandria e
líder titular de toda a comunidade cristã do Egito.
Uma
incomensurável multidão gritava por suas mortes num único motivo alegado: algum
tempo antes eles haviam cumprido as ordens do Imperador Constantino II (filho e sucessor do primeiro Imperador
cristão, Constantino I, o Grande)
para que todos os templos pagãos fossem fechados.
Para melhor
compreensão do fato, é necessário analisarmos o momento histórico, político, social
e mesmo geográfico, pelo qual se encontrava o Império Romano.
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Na
antiguidade, os assentamentos urbanos se alinhavam na forma de arco e iam desde
a Grécia e a Ásia menor (Turquia), passando pela Síria, pelo Líbano, a
Palestina e chegando até o Egito e a Líbia. O coração do mundo romano.
O Império
Oriental orgulhava-se das suas três grandes metrópoles: Alexandria, Antioquia e
Constantinopla; as mais prósperas e civilizadas regiões do mundo, à época.
Ao contrário,
o Oeste Latino era uma região econômica e culturalmente atrasada (a própria Roma, capital histórica do
Império, encontrava-se em franca decadência).
Fundada por
Alexandre (o Grande), Alexandria era uma cidade com um milhão de habitantes,
distribuídos por dez milhas pela costa do mediterrâneo. Nela havia um farol de
quatrocentos pés de altura (algo como 126 metros); O Faros - uma das 7
maravilhas do mundo – e era considerada
o centro mais importante de ciência e erudição do mundo; berço de gênios gregos como Arquimedes e
Euclides , de sábios judeus como Filo e de grandes pensadores cristãos como S.
Clemente e Orígenes. Lá encontrava-se a Grande Biblioteca (queimada durante a guerra com César) e o Serapeum, doado por Cleópatra.
... Mas, por
que um povo tão avançado, cosmopolita e ambicioso por cultura urrava pelo
sangue de Jorge, da Capadócia? Simples ele também era um povo obcecado por
debates religiosos. E tanto Constantino II quanto o bispo eram Arianos: cristãos
que acreditavam em um Jesus Cristo, Filho de Deus, mas não sendo o próprio
Deus.
Para que
Jorge assumisse o bispado de Alexandria, o antigo bispo, Atanásio, foi exilado
por Constantino II. Atanásio era o maior defensor de que Jesus era, sim, o
próprio Deus encarnado.
Em resumo, a
discussão era: “Jesus de Nazaré era o próprio Deus? Ou um Santo único, adotado
por Deus como seu filho elevado à condição divina?”
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Estamos
diante da chamada “Controvérsia Ariana”, tendo de um lado Ário (um sacerdote erudito e eloquente) afirmando que Jesus era inferior a
Deus e que seu papel era servir de modelo de virtude para toda a humanidade. E,
de outro, Atanásio (um
bispo brilhante e dedicado).
Richard E.
Rubenstein (autor do excelente
livro: “Quando Jesus se tornou Deus”, o qual inspirou a minha vontade em
escrever esse texto),
nos esclarece que a denominada “Controvérsia Ariana” estabeleceu um violento
debate que dividiu o Império Romano e mudou para sempre a face da Igreja
Cristã.
Segundo
Charles Kannengiesser, em seu “Arius and Athanasius: two alexandrian
theologians”, “o cristianismo alexandrino tinha um sabor especial. Pensadores
excepcionais usavam as últimas tendências dos filósofos gregos para explicar os
textos bíblicos e as teorias da Igreja, conduzindo a disputas que não se
limitavam a bate-bocas entre intelectuais, mas passavam a ser o esporte
favorito dos locais, onde pessoas comuns achavam apaixonadamente envolvente os
debates” (às vezes, tais discussões tornavam-se sangrentas).
Um outro
estudioso, W. H. C. Frend, autor do “The Rise of Christranity”, nos lnforma que
o famoso Clérigo Gregório de Nissa (vinte
anos após o linchamento do bispo Jorge), angustiado com as obsessões pelas disputas religiosas
sobre a “Controvérsia’, fez um notável sermão na sua igreja de Constantinopla: ‘Se
nessa cidade alguém pedir o troco ao vendedor de uma loja, ele certamente
começará a debater a questão do Filho ter ou não ter sido gerado por Deus. E se
alguém questionar a qualidade do pão, o padeiro responderá: ‘O Pai é superior,
O Filho inferior’. Se alguém pedir ao atendente nas termas para parar o seu
banho, ele lhe afirmará que o Filho foi criado ‘ex nibilo’ (do nada)”.
Rubenstein, ao
considerar por seus estudos que tais posições eram Arianas, entendeu como
implícito o fato de simples comerciantes ou operários se julgarem capazes de
debater questões teológicas abstratas e tirar suas próprias conclusões. Mais
que isto; o modelo de heresia dos cristãos ortodoxos (ao não admitir Jesus, Divino), no seu entendimento já havia sido, no
mínimo, tão popular quanto a doutrina que defendia Jesus sendo Deus.
Ele continua:
“Então Cristo seria considerado humano? De certa forma sim. Mas sua moral e a
importância da sua missão na terra o elevaria muito acima dos maiores
profetas”. A pessoa mais santa que jamais vivera, mas não o Deus Eterno.
“Sob a
perspectiva Ariana Jesus não poderia ser Deus, já que Deus, sendo perfeito para
a natureza, era inimitável. Em suas concepções, obviamente quando Jesus gritou:
“Deus, meu Deus, porque me abandonaste”, ele não poderia estar falando consigo
mesmo” (C. Gregg e Dennis E. Groch/”Early Arianism”).
Para
Atanásio, o ‘adversário’, tais argumentos eram bastante destrutivos, ao usarem
a Sagrada Escritura para eclipsar o mistério central da fé cristã.
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Este importante
e constrangedor dilema teológico favoreceu a convocação do Concílio de Nicéia,
no ano de 325, pelo Imperador Constantino I.
O Concílio
estabeleceu (por
votação bispal esmagadora)
que Atanásio estava correto, além de determinar a doutrina de Ário como
herética (ou seja, todos os
seus defensores se tornariam hereges).
Mesmo com as
determinações do Grande Concílio, este dilema dilacerou a igreja (com Arianos e Atanasianos lutando
ferozmente nas ruas e nas igrejas do Oriente), a ponto da ‘controvérsia’ perdurar por sessenta anos (ter reviravoltas políticas sendo o
próprio Atanásio exilado e Ário perdoado) e tornar o Imperador seguinte em um ‘Ariano”; entretanto, Constantino II morre inesperadamente e o
novo Imperador, Juliano (sobrinho de Constantino), afirmar não ser Ariano... nem
mesmo um cristão, mas um sectário dos deuses antigos. Um pagão!
Para melhor
entendimento, tal fato estabeleceu a má sorte do antes poderoso bispo, e agora
desventurado Jorge, da Capadócia.
O QUE DIZEM OS MODERNOS
ESTUDIOSOS
O pesquisador
Paulo Nogueira, do programa de pós-graduação em ciência da religião da
Universidade Metodista, em São Bernardo, esclarece que as verdadeiras origens
da “Controvérsia Ariana” encontram-se na pluralidade de pensamentos que
caracterizou o início do cristianismo, quatro séculos antes.
“Após a morte de Jesus, seus
seguidores espalharam-se pelo mundo. As primeiras comunidades cristãs surgiriam
em cidades dominadas pelo Império Romano e, devido à própria diversidade
geográfica, esses grupos entraram em contato com diferentes ideias religiosas
já existentes: alguns sofreram influências do judaísmo, outros do mundo
grego", explica.
O estudioso inglês Cristopher Rowland, de Oxford no seu
livro "Rei e Messias" (tendo por base pesquisas dos manuscritos do
Mar Morto, descobertos em 1947) conclui
que “muitos viam Jesus como um mediador
angélico". Para estes cristãos Jesus era "aquele que, como o anjo de
Deus no Antigo Testamento, foi enviado para revelar e cumprir a vontade de
Deus, que está no céu".
E OS APÓSTOLOS E EVANGELISTAS, O QUE
ACHAVAM?
“Entre as ideias dos primeiros
seguidores de Jesus provavelmente estava a de que ele seria um profeta e
libertador escatológico (do fim do mundo). Ou um
enviado de Deus e, portanto, seu filho. As pessoas exploravam diferentes
maneiras de compreendê-lo", diz a americana Elaine Pagels, professora da
Universidade Princeton, especialista no cristianismo primitivo e autora de
"O Evangelho Desconhecido de Tomé".
Pagels ainda afirma que Marcos, Mateus e Lucas consideravam Jesus
um ser humano com uma missão especial. "Eles o vêem como um Messias, ou um
rei enviado por Deus. Mas o rei Davi fora chamado de messias também. Só as
cartas de Paulo e o evangelho de João é que falam diretamente sobre a divindade
de Jesus", afirma.
Caso a Dra.Elaine Pagels esteja
correta, a “Controvérsia Ariana” (e mesmo a visão contemporânea dos cristãos
atuais) não teria ocorrido,
se não fossem, principalmente, as Cartas de Paulo de Tarso às comunidades por
ele criadas. Também denominadas na posição católica de Epístolas Paulinas (14 livros) e
inseridas no Ato dos Apóstolos.
Paulo é um caso à parte, dentre todos os evangelistas. Anteriormente um perseguidor de cristãos, converte-se ao cristianismo após uma radiante luz o cegar na estrada de Damasco e da mesma Luz sair uma voz amorosa mas bradativa: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”
Ele foi o responsável pela chamada “Boa Nova”
sair da esfera judaica (alguns
estudiosos afirmam que sob desconfiança e a contragosto inicial dos apóstolos
mais velhos) e alcançar os denominados “gentios”; todos
os não judeus.
Tornou-se a maior referência missionária da
história.
Sua obstinação pela causa foi tão intensa que
abandonou suas propriedades e trabalhava como artesão à noite para pregar as
palavras de Jesus durante o dia. (Diferentemente de alguns denominados “atuais ministros
de Deus”, os quais estabelecem o sacerdócio como uma profissão remunerada
justificada; mesmo tendo Paulo como referência e modelo a ser seguido)
O trabalho de Paulo foi tão ‘avassalador’
que, tempos depois, os sacerdotes pagãos observaram que parte dos soldados das
Legiões Romanas faziam sinais ‘estranhos’: a cruz (Pai, Filho e Espírito
Santo)!
Talvez
se não fosse Paulo de Tarso, Jesus e a Virgem Maria não fossem personagens do
Alcorão pela voz do Profeta Maomé. Martinho Lutero não teria escrito as suas 95
teses contra a venda de indulgências, favorecendo a Reforma Protestante. Os
descendentes de africanos, no Brasil, não conseguissem professar livremente a
sua fé em Oxalá (através da Umbanda). E, esse artigo não
estaria, neste momento, sendo escrito!
...
O motivo: (dentro da ótica não espiritual) Jesus seria um
desconhecido!
A DEFINIÇÃO DE “MESSIAS” PARA OS JUDEUS
Faz-se necessário compreender
que tanto os apóstolos quanto os primeiros seguidores de Jesus eram todos
judeus. A definição judaica para o “Messias” talvez faça toda a diferença: um Soberano
Governante Ungido por Deus.
Para Isaías (primeiro profeta a
dar imagem detalhada do futuro Rei ideal), o Messias seria aquele “sobre quem descansará o espírito de Deus
como um espírito de sabedoria, bravura e religião, e quem governará no temor de
Deus, seus lombos caídos com retidão e fidelidade”. Tal visão de um Messias
pessoal é seguido por Imannuel, Jeremias e Ezequiel.
A condição do “Messias
Celestial Preexistente” é encontrada pela primeira vez no Livro de Enoque
(xxxvii-Ixxi), no século I a.C (é importante frisar, no entanto, que ele
deixou de ser considerado autêntico pelos judeus
a partir do ano 200 - mas até hoje considerado pelos judeus da Etiópia -
tendo feito parte do corpus bíblico hebraico até essa época). Nele o Messias é chamado de
Filho de Deus, ocupando um assento no céu.
Na literatura rabínica
(Sibilino V. 415-430) ele é denominado como “um homem abençoado vindo do céu”. Porém
não determinando ser ele preexistente ou terreno. Oficialmente, entretanto, o
judaísmo tem, hoje, a concepção de um Messias preexistente terreno, mas não
preexistente celestial. E para que não existam dúvidas históricas e de
concepções teológicas, atuais; boa parte dos seus adeptos ainda o aguarda.
JESUS, O MESSIAS CRISTÃO
A figura do Messias
gradualmente voltou à tona após a queda da dinastia dos Macabeus (164 a 37 a.
C.), a ascenção do despótico governo de Herodes e a tirania do Império Romano.
Diante de tais condições insuportáveis, os judeus buscaram refúgio na esperança
de um Messias pessoal, ansiando pelo Prometido Libertador da Casa de Davi;
libertando-os do jugo estrangeiro, ao estabelecer seu próprio reino de paz e
justiça.
Quando Jesus entrou em
Jerusalém, a população o aclamou como o Messias!
Sob humilde conceito pessoal, penso que... talvez
o início essencial do cristianismo primitivo tenha se dado em tal momento já
que o povo o via como o Messias, mas não as autoridades judaicas religiosas, permitindo com que, no
futuro, ‘estrangeiros’, por diversos motivos históricos , culturais e até
políticos, pudessem aspirar todo o manancial de justiça e
proteção espiritual divinas, através da figura do Filho de Deus..
Numa expressão; o Messias ‘personalizado’ e aclamado
em Jerusalém, porém rejeitado pelo cânone judaico, tornou-se o Messias cristão.
Mais ou menos como a afirmar: “se vocês não o querem, nós Lho adotamos!”.
Por fim, independente de qual seja ou tenha
sido a concepção teológica de divindade do Cristo, seus exemplos de conduta
existencial e lições de amor ao próximo foram únicos na história da humanidade.
E, todo crente, sob fé inabalável, pode afirmar:
“quem tem Jesus no coração, carrega consigo paz de
espírito!”
Paulo Portela
CEO da Medikus Sistemas de Saúde e fundador
do Base Social (apoio emocional a trabalhadores e familiares)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeiro_Livro_de_Enoque
https://pt.wikipedia.org/wiki/Enoque_(antepassado_de_No%C3%A9)#:~:text=O%20mais%20conhecido%20%C3%A9%20o,rabino%2C%20por%20diversas%20raz%C3%B5es%2C%20inclusive
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fic%C3%A7%C3%A3o_apocal%C3%ADtica_e_p%C3%B3s-apocal%C3%ADtica
https://pt.wikipedia.org/wiki/Or%C3%A1culos_Sibilinos
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conc%C3%ADlio_de_Tiro
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/em-nome-mae.htm
https://www.preparaenem.com/historia/cisma-oriente-as-diferencas-entre-igreja-romana-ortodoxa.htm#:~:text=Na%20parte%20ocidental%2C%20a%20Igreja,que%20possu%C3%ADa%20grande%20influ%C3%AAncia%20religiosa.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeiro_Conc%C3%ADlio_de_Constantinopla
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pessoas_proclamadas_messias
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ep%C3%ADstola_aos_G%C3%A1latas
https://pt.wikipedia.org/wiki/Controv%C3%A9rsia_ariana
https://pt.wikipedia.org/wiki/Escatologia_crist%C3%A3
https://pt.wikipedia.org/wiki/Escatologia_crist%C3%A3
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conc%C3%ADlio_de_Sel%C3%AAucia
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