Educação de Jovens em Risco Social

Educação de Jovens em Risco Social


Em março de 2019, comecei uma pesquisa científica dentro de um Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) de ensino médio localizado na comunidade da Máre, zona norte do Rio de Janeiro, como parte da minha dissertação para o Mestrado em Desenvolvimento Local pela UNISUAM. 

O meu objetivo principal era contribuir para o acesso de jovens estudantes ao mercado de trabalho. Para tanto, antes de ajuda-los eu precisava conhecer o perfil desses estudantes, que em sua maioria pertenciam à comunidade; conhecer o perfil das empresas que estão localizadas no estorno da comunidade e ao longo da avenida Brasil. 

A partir destes dados, era possível elaborar oficinas de qualificação profissional. 
Durante este processo de vivencia semanal, durante 2 meses, pude observar além de características socioculturais daqueles jovens, dados estatísticos sobre os mais diversos assuntos: renda familiar, perspectiva de futuro, Enem, concursos, empreendedorismo, uso de tecnologias, preocupação com aposentadoria, etecétera. 

Hoje vou compartilhar com você, caro leitor, uma dessas vivencias que foi a primeira reunião de professores e demais colaboradores no ano passado. Eu estava lá para falar sobre o meu estudo e pedir apoio para o engajamento dos estudantes na pesquisa. 

Fiquei toda a reunião como ouvinte até que uma professora comentou: - vocês ficaram sabendo que o estudante fulano faleceu? Foi decapitado e jogado no valão. Pior, está lá até hoje, pois o Instituto Médico Legal (IML) não recolhe corpos em área de risco. Uma outra respondeu: a mãe não pode ter nem um atestado de óbito do filho. Aqui isso é comum, completou a cozinheira que mora próximo. 

Naquele momento, eu já estava consternado com aquela triste realidade (confesso que só pensava naquela mãe, afinal, conforme explica o conceituado antropólogo Roberto DaMatta, a morte para os brasileiros necessita do rito final, da despedida, do atestado de óbito, pois só assim, é possível aceitar que é necessário continuar a caminhada). 

O diretor então comentou: - este aluno ficará no sistema da escola, uma vez que a matricula é automática, preenchendo a vaga que poderia ser de outro aluno (cabe salientar que no ano passado, o rio de janeiro, passou por uma séria crise de falta de vagas para os estudantes, em fevereiro o governo anunciou uma estimativa de 100 mil jovens aguardando matrícula). Não me contive e perguntei: - Professor, o senhor deve ter autonomia para retira-lo do sistema, explicando este caso em particular à secretaria de educação. Ele respondeu com um ar de que estava cansado de tanta burocracia: - Não tenho mais desde 2017, quando retiraram esta autonomia dos diretores, alegando combater atos de diretores que favorecem alunos. 

Então insisti: - OK, mas o senhor pode falar, deve existir um procedimento interno. A resposta foi: -Ricardo, você está chegando agora, não viu nada. Estou com 20 alunos de 2017 pra cá que não consigo retirar do sistema e todo ano, entra a rematrícula automática. 

Caro leitor, percebeu a gravidade deste simples relato, de apenas uma escola pública no Rio de Janeiro? Estes estudantes são dados como abandono escolar (que ocorre quando o aluno deixa de frequentar as aulas durante o ano letivo) e não como evasão que é mais grave (situação em que o aluno abandonou a escola, reprovou e não se matriculou no ano seguinte). Ou seja, com a rematrícula automática o governo garante essa matrícula, reduzindo os índices de evasão escolar (aconteceu em 2017, 2018 e 2019), contudo, o que poderia ser um ato louvado, acaba por maquiar a verdadeira imagem da educação brasileira.  

Ricardo de Jesus
Pesquisador e Professor de Administração 

https://cronistasdewhatsapp.blogspot.com/

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